VIVER E TRADUZIR
Laura Wittner
NENHUMA LÍNGUA É NEUTRA
Dionne Brand
VIVER E TRADUZIR
“Traduzir é entrar em alguém. Dar-lhe lugar também, para que entre em nós”, escreve a argentina Laura Wittner em Viver e traduzir, uma espécie de diário em que seu ofício de tradutora se mescla a cenas do cotidiano, aforismos, anedotas e diálogos com diversas obras e seus autores e autoras, numa saborosa prosa poética.
Tradutora de nomes como Katherine Mansfield e Leonard Cohen e também poeta premiada, Laura Wittner elabora esse ensaio singular a partir de reflexões acumuladas em mais de 25 anos, defendendo a ligação entre a prática da tradução literária e a experiência concreta da vida, revelando segredos do ofício e inquietações. Na tentativa constante de responder a pergunta O que é traduzir?, Laura oferece ainda uma série de definições que permeiam as suas notas: “traduzir é autoanalisar-se”, “traduzir é seguir vivendo”, “traduzir é apropriar-se.”
Tradução Paloma Vidal e Maria Cecilia Brandi
SOBRE A AUTORA
Laura Wittner nasceu em Buenos Aires, Argentina, em 1967. É tradutora e poeta premiada. Traduziu para o espanhol obras de Claire-Louise Bennett, Anne Tyler, Leonard Cohen, James Schuyler, Katherine Mansfield, entre outros nomes. É autora de livros de poemas e de literatura infantil. Viver e traduzir, publicado originalmente em 2021, é seu primeiro livro de ensaios e recebeu o Prêmio Nacional da Argentina, na categoria ensaios artísticos. No Brasil Laura Wittner tem publicado ainda o livro de poemas Tradução da estrada (2023).
NENHUMA LÍNGUA É NEUTRA
No cruzamento de geografias e tempos, culturas e línguas, entre a violência colonial e a descoberta do amor, Dionne Brand faz da sua poesia um campo para elaborar uma narrativa própria de mulher negra e diaspórica, e novas maneiras de estar no mundo.
“Em Nenhuma língua é neutra, a poeta Dionne Brand, nascida em Trinidad e Tobago e radicada no Canadá, nos move a ouvir o ‘arrastar de correntes e gongo de cobre’ e os ‘falsetes de chicote’ no sotaque da ilha caribenha, cuja gramática é composta por uma violência colonial incontornável. Porém, se a violência constitui a língua, é por meio da poesia que Brand pode criar um lugar de autodescoberta baseada numa interlocução amorosa e ética com mulheres negras, insinuando outras formas de habitar o mundo.
Nos nove poemas que compõem o livro, Brand constrói um eu-lírico que se apoia na captura fugidia do que é insondável e intraduzível nos termos de um discurso pretensamente neutro, como a risada de uma militante presa que reverbera nos muros de uma prisão ou a revolução que se torna leve nos lábios de uma mulher amada.
Sem deixar de sentir o ‘cheiro árduo, nítido, quebradiço da escravidão’ da terrível beleza da ilha caribenha, Brand fala de um amor por uma praia que é preta, ‘não branca que nem sinhá’, onde ‘suor e doçura’ respingam de mulheres que aprenderam a não chamar a dor de desespero.
Nesse processo, Brand demonstra como a língua oferece a possibilidade de tentar “imaginar um mar que não sangrasse” e, ao mesmo tempo, olhar as incontidas e transbordantes lágrimas de mulheres pretas demais chorando. E, navegando nessas águas cheias de conchas e grilhões, a poeta pode, como no último poema, pensar em envelhecer ao lado de outra mulher, cujo hálito em sua bochecha anuncia outro futuro, quando a língua, além de não ser neutra, pode ser puro mel e correr como as águas de Oxum.”
Fernanda Silva e Sousa
Tradução Lubi Prates e Jade Medeiros
Posfácio tatiana nascimento
SOBRE A AUTORA
Dionne Brand é poeta, ensaísta, romancista e documentarista nascida em Trinidad e Tobago, em 1953, e radicada no Canadá. É autora de mais de vinte livros e recebeu diversos prêmios, entre eles, o Toronto Book Award (2006 e 2019), o Blue Metropolis Violet Prize, o OCM Bocas Prize de ficção e o Windham-Campbell Prize de ficção em 2021. Em 2017, Brand foi nomeada para a Ordem do Canadá. De sua autoria, a Bazar do Tempo vai publicar ainda Pão tirado de pedra (2023), uma coletânea de ensaios.